quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Higienização de Higienópolis


O que parece um trocadilho bobo é uma realidade. O centro de São Paulo está cada vez mais “sujo” ao menos pra elite insossa, a quem tudo parece grosseiro, decadente.
O centro se expande e com ela a pobreza - em um ritmo que o primeiro não consegue fugir. Assim, os bairros mais centrais, até vistos como bem localizados, acabam sendo invadidos, tomados por esses tão indesejáveis vizinhos. Nesse fenômeno chamado macrocefalia urbana-em bom português, confusão mesmo-o bairro dos ex-barões de café é habitado por homens que pedem dinheiro em xícaras vazias.
Para resolver esse problema (haveria solução?), ocorre uma espécie de revezamento. Durante o dia, as famílias felizes, todas iguais, se ocupam em nascer e morrer pelas ruas amplas, arborizadas, com seus prédios brancos e cachorrinhos fofos. À noite, é a vez deles, os indesejáveis, cada um a sua maneira, compondo a escória do mundo.
Mas aí acontece um problema. Todas as manhãs, os guardas (irrelevante descrevê-los, estão apenas cumprindo ordens) precisam acordar os mendigos, expulsá-los, mandá-los para um lugar mais apropriado (ao menos fora do alcance dos olhos). Tudo a fim de preservar o bonus pater família.
Antônio Andrade Mendonça já havia feito parte de uma dessas famílias, já teve cachorro fofo, mulher atenciosa, família feliz.Mas, numa sucessão de fatalidades-que agora pouco importam-acabou no meio da rua, atrapalhando algum passeio inadiável de um cachorro premiado. Em uma segunda-feira de frio, estava cansado, como em todo começo de semana(haveria começo, meio e fim em sua semana?), quando acorda com os gritos do guarda:
-ACORDA, VAGABUNDO!!
- Desculpa, senhor. Mas estou muito cansado.
-Cansado de que? Não faz nada e mais respeito, tá falando com uma autoridade.
- Autoridade? Não pra mim, os mecanismos coercitivos utilizados pela sociedade não podem me atingir, na medida em que eu não me incluo no pacto social. Já que me vêem como bestializado, estou em pleno estado de natureza, nada cobro e de nada posso ser cobrado.
-Hã?!?O senhor anda bebendo muito, não fala nada com nada.
-Não é alcool, meu senhor. Só acho que é preciso refletir sobre como me vêem como uma patologia dentro do corpo social, sem antes pensarem se compactuo com esse sistema.
- O senhor tem lá o que compactuar? Ninguém aqui tá de complô não.
-É um típico exemplo de alienação, o senhor é o típico homo fabers, apenas cumprindo funções, não entende, muito menos mensura, a conjuntura de suas atitude. Senta aqui, uma boa conversa resolve isso.
Sem entender bem o que acontecia, mas ainda encantado, o policial sentou e deixou-se levar pela conversa do mendigo.Quem por ali passava, não era capaz de ver.Sorte do policial que estava concentrado a ponto de não perceber que também era invisível e seu trabalho dispensável. Invisível, como aquele mendigo e muitos outros naquela cena.Inivisível e pequeno diante do conhecimento de seu Antônio.

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